Uma vida livre da possessividade

O floral Chicory foi criada pelo Dr. Bach para tratar a possessividade, ou melhor, comportamentos extremamente possessivos. Nesta entrevista, Zeca Catão, psicólogo, psicanalista e terapeuta floral há mais de 25 anos, fala, entre outras questões, sobre as atitudes mais comuns de quem tem essas características, as causas desse desequilíbrio, em quais áreas da vida ele pode se manifestar e como isso pode ser tratado.

Zeca, no estado negativo, quais são as características de uma pessoa com o comportamento Chicory?

O estado negativo do floral Chicory é aquela pessoa que tudo o que for dado a ela nunca vai ser suficiente. Ela tem um desejo de ser atendida maior do que qualquer possibilidade a sua volta. Em geral, as características são de manipulações afetivas e chantagem emocional. Ela quer saciar algo nela, tem um desejo de ser abraçada, cuidada, de estar afetivamente nutrida, só que o modo que ela faz isso afasta as pessoas ou quem fica, fica porque está preso a ela, ou seja, não é um afeto espontâneo. Uma mãe ‘chicorenta’ (expressão usada para definir uma pessoa Chicory), por exemplo. Os filhos dependem da mãe. Uma mãe ‘chicorenta’ vai manipular a relação com os filhos para que eles estejam sempre ali por ela e para ela. Não que os filhos não possam retornar esse amor para a mãe.

Numa relação adulta, madura, mais equilibrada, a mãe vai receber o subproduto do que ela está oferecendo. Quando se cuida bem dos filhos, os filhos naturalmente devolvem afetivamente. Mas a mãe ‘chicorenta’ vai sentir ciúmes, vai sentir que o filho está olhando para outra mãe. Ela vai sentir sempre que o que o filho retorna para ela não é suficiente. Porque, na verdade, o estado Chicory é essa sensação de que o que ela recebe não lhe é suficiente.

Aproveitando esse exemplo, nessa relação sofre tanto o filho quanto a mãe?

Nessas relações, todo mundo sofre. E todo mundo sai perdendo muito, fica uma relação muito desequilibrada. Imagina uma personagem de novela representando uma mãe possessiva. Uma mãe possessiva é uma mãe ‘chicorenta’. Quando vemos essas imagens na literatura, no teatro, no cinema, a gente tem um pouco de aversão a esse comportamento. Porque nada pior do que alguém querendo pegar no seu pé. Mas o ponto que você levanta é: essa pessoa sofre? Sim, ela sofre porque ela é uma pessoa desnutrida, ela não se sente preenchida afetivamente.

 Esse desequilíbrio aparece em todas as áreas da vida da pessoa?

Não necessariamente. Eu posso estar mais equilibrado profissionalmente e menos afetivamente e vice-versa. Profissionalmente eu não preciso estar tão próximo das pessoas, mesmo na profissão de terapeuta ele tem um grau de distância que é necessário para ele poder trabalhar com mais clareza com relação ao outro. Ele tem que estar um passo atrás.

Agora, num relacionamento afetivo, eu me misturo muito com o outro. E às vezes a pessoa está super estável, equilibrada, e quando nascem os filhos, muitas mulheres ficam muito confusas. O nascimento de uma criança mexe profundamente com as mulheres. E elas vão ter que lidar com questões afetivas que elas desconhecem nelas e que aparecem naquele momento. É uma experiência muito forte, intensa, visceral. Então, nesse momento, aparecem coisas que as mulheres se surpreendem com a intensidade do que elas sentem. Voltando ao Chicory, pode surgir um sentimento simbiótico com relação ao filho tão intenso, tão confuso que fica muito característico da pessoa Chicory.

Chicory tem mais a ver com mulher?

Não. Eu estou usando muito o exemplo da mãe porque é mais universal. Na civilização judaico-cristã a gente fala muito da mãe italiana, da mãe judia. Por que existe esse senso comum de que a mãe judia e a mãe italiana são tão intensas e possessivas? Porque a relação mãe e filho é uma relação muito visceral, muito intensa. Nós moramos nove meses sem pagar aluguel, né? (risos). Uma criança pode ser muito Chicory. Nada do que for dado a ela vai ser suficiente. Ela fica desnutrida e daí fica muito pegajosa, enciumada, ela joga muito emocionalmente.

E o que causa tudo isso?

De onde vem tanta insaciedade, né? Falando do caso extremo do Chicory, de onde vem tanta fome afetiva para a pessoa se tornar tão intensa e tão pegajosa? Pela minha formação em psicologia e psicanálise eu penso que isso está muito ligado à estrutura da pessoa. Estrutura de personalidade. Quando essas questões estão muito intensas, é sinal que a pessoa tem um caminho a ser amadurecido.

Você fala em demanda, em voracidade, mas você não usa a palavra carência.

É uma carência. A voracidade é um excesso de carência. Mas existe uma diferença. Em uma pessoa carente eu posso dar um abraço, mais atenção e essa carência pode ser abrandada, resolvida. A voracidade está para além da carência. É uma carência, mas num grau que nada que for dado vai fazer a pessoa se sentir preenchida. Isso é o extremo porque é mais fácil falar de extremos para exemplificar.

No final das contas nós todos temos nosso cantinho Chicory, que é a hora que você vê um amigo, uma amiga dando mais atenção para uma pessoa e você fala: “Mas por que você está dando mais atenção para ele?”. Você nem pensa por que, você só sente uma inveja, um ciúmes. Num grau menor eu acho que é uma coisa mais parecida com o floral Holly, mas num grau mais intenso, aquela pessoa que perde o controle e fica muito presa à sensação, quase como um bebê, porque o bebê não tem controle sobre o que ele sente.

Uma pessoa que tem uma família bem estruturada, por exemplo. Ela vai encontrar os pais e tem um irmão que recebeu algo mais, ou uma demonstração afetiva maior do pai ou da mãe, e naquele momento a pessoa sente uma voracidade, ela se sente fora do núcleo. Parece que se fechou o núcleo à mãe e o irmão e a pessoa se sente exposta, à deriva. Ou quando a gente se apaixona. O outro está lá vivendo a própria vida e a gente entra numa condição Chicory, que é: “Por que ele está investindo tanto em outras coisas? Eu estou aqui tão pronto para aquela pessoa e por que ela vai viver a vida dela?”. O floral Holly tem inveja, ciúmes, mas numa intensidade menor, pois está mais amadurecido.

Você poderia dar outros exemplos de comportamento Chicory?

Eu acho que na paixão as pessoas ficam muito Chicory. Uma coisa é importante falar: paixão é diferente de amor. Quando eu estou apaixonado eu estou muito ensimesmado. A gente acha que se apaixona pelos outros, na verdade a gente está mais no próprio umbigo porque o amor exige um grau de maturidade. Muitos relacionamentos não sobrevivem atravessar a paixão e chegar ao amor. Tem um exemplo que o Eric Fromm, psicólogo, dá que é: a paixão é o abraço. Quando eu estou abraçado com alguém eu não vejo a outra pessoa, eu sinto. No abraço eu estou tão perto que eu não vejo o outro.

O amor é quando você olha a pessoa, está afastada dela, consegue ver o que é bonito e o que não é bonito e ainda assim opta por ficar com aquela pessoa. Porque na paixão estamos muito imbuídos dessa necessidade de ser suprido e ficamos embriagados por isso. A paixão é muito perigosa. É por isso que eu acho que com a idade se apaixona menos, não que seja regra, mas ao longo dos anos a paixão acaba ficando escassa. Os jovens se apaixonam muito, os jovens ainda estão muito narcísicos, eles ainda estão muito presos a eles. O outro é uma descoberta. Ele vai fazendo o movimento ele e o outro ele e o outro ele e o outro até que essa elasticidade vai os amadurecendo emocionalmente, como no caso do bebê.

E quando se trata de bebês? O comportamento Chicory pode ser notado?

No começo da vida o bebê nem sabe que o outro existe. O bebê não tem o intelecto e nem o afetivo formados. Ele tem quase que um instinto de sobrevivência, ele precisa sobreviver. Ele tem uma força que o puxa para sobreviver, para existir. Então, quando ele tem fome, ele não fica pensando: “eu tenho fome”. Ele sente um desespero porque fome significa ameaça de morte e quando mama vem a saciedade, está garantida a existência. Um bebê quando está com fome fica histérico, ele precisa ser atendido. Mas a mãe está no banho e o choro se intensifica. Essa ausência vai fazendo com que o bebê entenda que o outro está separado dele. Então a frustração vai mostrando para ele que existe o outro e que existem outros.

Esse comportamento possessivo acontece somente nas relações?

Não, ele pode aparecer com relação a coisas, objetos, a comida… Uma pessoa que não se sente atendida afetivamente, pois Chicory não se sente atendida afetivamente, ela pode descontar na comida, ela pode descontar em compulsões, em compulsões de todas as ordens. Desde comida, jogo, compras, sexo, qualquer coisa. Para nós terapeutas, eu tenho que pensar mais em compulsão do que em qual objeto de compulsão ela escolheu. Não importa o objeto em si. É mais importante entender a dinâmica das compulsões.

O que define uma pessoa compulsiva?

Uma pessoa compulsiva repete um comportamento obsessivamente. Eu posso repetir um comportamento quando eu gosto muito de algo. Uma pessoa que gosta de cinema faz dela uma cinéfila. Outra gosta de comer, ela tem uma sofisticação gastronômica. Isso poderia ser uma compulsão porque não interessa o objeto, interessa o modo como eu lido com isso. Eu posso ser um compulsivo de cinema e de teatro para não ver a minha vida. Então não é o ato em si, é o modo como eu me relaciono com certas coisas. A compulsão tem um teor destrutivo, vai além. Comer, gastar compulsivamente são repetições em algo que trazem muitos prejuízos para a pessoa.

Então, não necessariamente uma pessoa Chicory é uma pessoa que precisa estar sempre acompanhada de alguém?

É aí que você dá camadas de leitura a um floral. Caso contrário, ficamos muito presos. Isso é isso, aquilo é aquilo. Parece uma tabuada, esse comportamento significa isso, aquele significa aquilo. O interessante da experiência e da vivência com os florais ao longo dos anos é isso: dar sofisticação, camadas de interpretação para aquele floral. Uma pessoa que eu amo ouvir o modo que ele lida com os florais é o Julian Barnard.

Eu conheci o Julian na década de 80, ele trabalha só com os florais de Bach. Então, são 38 florais que eu já ouvi praticamente ele falar de todos e a cada palestra ele me surpreende. Ele traz uma camada, uma leitura diferente, ele vai sofisticando o entendimento dele sobre cada floral. E essa conclusão que você acabou de fazer sobre o floral Chicory: não necessariamente precisa ser somente na relação com pessoas. A pessoa pode trazer toda aquela característica Chicory na relação com objetos, coisas, comportamentos.

O que o floral Chicory faz por uma pessoa possessiva e dominadora?

O floral não é mágico. Tanto esse como todos os florais. Você colocou na água e pum! É feitiçaria! Ele vai te enfeitiçar e você vai deixar de ser Chicory. Não, não é assim. Como é que os florais agem sobre as pessoas? O floral te dá uma condição que na hora em que você está na experiência Chicory, você pode ter um grau de consciência sobre o que você está fazendo. Porque quando estamos muito imbuídos de algum sentimento, às vezes perdemos a noção do que está acontecendo. A gente fica muito míope e embriagado por aquele sentimento. O floral te dá um grau de lucidez que você é capaz de se observar, é como se você tivesse atuando, mas com um pé atrás para observar o que está acontecendo ali. E a partir da consciência você consegue modificar comportamentos.

O que eu quero dizer é o seguinte, por exemplo: você é uma pessoa Chicory. Eu vou lá e te dou floral Chicory e vai automaticamente resolver. Para algumas pessoas vai funcionar como parece um passe de mágica. Parece, só parece. Porque, na verdade, é o grau de consciência que ela vai ganhando. É como se abrisse uma porta de consciência e a partir da consciência ela vai modificando comportamentos. Outras pessoas não estão prontas para responder.

E qual o papel do terapeuta nesse sentido??

O papel do terapeuta é ir vendo também o momento de dar cada floral. Um bebê é ‘chicorento´, ele nasce muito carente de ser atendido em várias ordens: metabólica, fisiológica e psiquicamente. Para o bebê ficar tranquilo, eu preciso dar a luz certa, eu não posso colocar uma luz muito forte, preciso saber se a roupinha dele está adequada à temperatura, o bebê precisa estar limpo, nutrido, com a barriguinha cheia, …

Eu criei uma metáfora aqui que é: eu vou criando condições para aquele cliente para que ele consiga se desenvolver e vou dando Chicory na hora certa e acompanhando esse desenvolvimento dele. Às vezes, vai aparecer alguma coisa no meio do caminho que vai entrar coadjuvante com Chicory. É um olho no peixe e outro no gato. A gente tem que prestar muita atenção no movimento do paciente. É sutil.

A pessoa vai amadurecendo?

Isso. É um grau de amadurecimento. E da forma como eu entendo o amadurecimento de uma pessoa, esse é o primeiro passo e esse passo é fundamental para as pessoas poderem crescer, amadurecer. Vou dar outro exemplo: eu não posso tratar um alcoólatra se ele não reconhece que ele é alcoólatra. Tem muita gente que é alcoólatra e não sabe ou não se reconhece alcoólatra.

O álcool socialmente é aceito. Então, tem muita gente que vai beber sem saber que é alcoólatra. O primeiro passo para se trabalhar com alcoolismo é que ele reconheça o alcoolismo nele. Então, o primeiro passo para eu trabalhar uma pessoa Chicory é que ela tenha esse grau de consciência porque se não ela vai sempre dizer que é o outro. O outro que não oferece para ela, o outro que a manipula, o outro que nunca está presente quando ela precisa. A gente vai ouvir muito esse discurso por aí.

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