Um pouco de vinho só faz bem

Especialista em vinhos explica o vasto e encantado universo do vinho, por que ele faz bem à saúde na medida certa e é uma boa pedida para o dia dos namorados

Duarsen de Campos é um profundo conhecedor dos vinhos. Ele fala com a clareza e o entusiasmo de quem conhece o assunto e ama o que faz. Para ele, vinho é como uma obra de arte. Durante boa parte de sua vida foi músico, tocava trombone, mas, quando morava na França, o interesse pelos vinhos aumentou. E lá foi ele estudar na Ecole Du vin de France e Wine and Spirits Education Trust, ambas em Paris, onde recebeu conhecimentos sobre enologia, sommeliere e wine business.

Participou como jurado dos mais importantes concursos de vinhos da França e do mundo, como o famoso Le Concours Génèral Agricole – realizado pelo ministério da agricultura da França. E também o Challenger International Du Vin – esse um concurso mundial de vinhos realizado em Bordeaux. Desde que voltou ao Brasil, tem se dedicado a dar consultoria para as vinícolas brasileiras.

“O Brasil produz hoje espumante de ótima qualidade. Por isso, levar nossa cultura na produção de espumantes para outros países é o meu foco”, diz ele.

Nesta entrevista, Duarsen fala de temas variados, como a história do vinho, as diferenças entre os vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos e explica por que vinho tinto não cai bem com a maioria dos queijos.

O que é o vinho?

O vinho é uma bebida obtida pela fermentação natural do suco de uvas maduras e frescas através das leveduras presentes na própria uva ou colocadas juntas com o suco de uva, o mosto, que é um líquido denso e turvo resultante da prensagem da uva. Essa ação de fermentação transforma o açúcar da fruta em álcool. A vitis vinífera é a videira que é plantada desde sempre para a produção de vinho, porque é a única que acumula açúcar na proporção de 1/3 do seu volume. Então, se você tem uma uva com essa quantidade mínima de açúcar, você consegue, através da fermentação, obter o álcool. Diferente disso, você não vai conseguir ter álcool no seu vinho.

Você pode contar um pouco sobre a história do vinho?

O primeiro achado de um possível sistema de vinificação, com uma prensa e um cuve de fermentação, de cerca de 6 mil a.C, foram encontrados onde situa-se hoje a Armênia. E as primeiras representações do processo de vinificação é, de fato, dos egípcios e dos fenícios, a 3 mil anos a.C. Mas foram os gregos que melhoraram a viticultura para a produção de vinhos aprendida com os egípcios, e o império romano difundiu. Existem várias lendas também do começo da produção do vinho como bebida.

Quais são essas lendas?

Uma delas que eu acho mais importante é a de Noé. O livro de Gênesis, no capítulo 9 da Bíblia, diz que Noé depois que desceu da arca plantou um vinhedo, fez vinho, bebeu e se embriagou. Agora, a lenda que mais descreve o começo da produção do vinho, é uma lenda que fala sobre Jamshid, um rei persa semi mitológico. Ele deixava as uvas dentro de um jarro. Certa vez, as uvas ficaram lá e começaram a fermentar, apodreceram e começaram a ter uma espuma. Uma das donzelas que vivia lá e queria se suicidar, viu aquele jarro com a bebida resultante da uva podre, imaginou que fosse veneno e tomou. Só que em vez de morrer, ela ficou alegre e dormiu. Ela contou esse ocorrido ao rei que ordenou que se fizesse aquele procedimento várias vezes rsrsrsrs

Muito se diz que o vinho faz bem à saúde. O que você tem a dizer sobre isso?

Sim. O consumo moderado de vinho faz bem à saúde. Mas, se você nunca consumiu bebida alcoólica, não vá ter contato com o vinho porque ele é uma bebida alcoólica. Agora, por que o vinho faz bem à saúde? Muitos trabalhos científicos comprovam que existe no vinho uma substância, o polifenol resveratrol, que ajuda na saúde da circulação sanguínea, da limpeza das artérias e diminui o risco de doenças cardiovasculares. É a substância mais estudada e comprovadamente eficaz na redução do risco de doenças coronarianas.

E quais são as pesquisas?

A mais famosa pesquisa do século 20 sobre os benefícios do vinho é chamada A Pesquisa dos 18 Países, que foi publicada na revista The Lancet, em 1979. Nesse trabalho, eles mostraram que nos países onde o consumo per capita de vinho era maior, as doenças cardiocirculatórias eram menores, e vice-versa. A explicação para esse fenômeno é que na França, na época, o consumo per capita de vinho era de quase 100 litros de vinho por ano.

Nos 18 países analisados, a situação sociocultural era parecida. Por que isso causou um impacto na comunidade científica? Porque a culinária francesa tinha um grande consumo de gorduras saturadas, de carboidrato, e, na época, eles eram mais sedentários que os outros países e tinham a metade dos problemas cardiocirculatórios outros países. O que tinham de diferente? Aí chegaram a essa conclusão: o que tinham de diferente era o consumo quatro vezes maior de vinho do que nos outros países. Isso despertou a atenção sobre o assunto vinho e saúde.

Em 1992, o Dr. Serge Renaud também publicou na revista The Lancet os resultados dos estudos dele. Ele concluiu que a ingestão moderada de bebida alcoólica – 25 gramas de álcool – sobretudo o vinho, reduzia o risco das doenças e da mortalidade cardiovascular em até 60%. Essa informação teve um grande impacto no mundo porque até então, ingerir bebida alcoólica era tão prejudicial quanto fumar. O vinho é composto por 80% de água, é muito pouco calórico, não tem gordura e tem uma quantidade considerável de minerais, potássio, magnésio, cálcio,… Mas, a mais importante substância no vinho é o polifenol. Como falei, os polifenóis têm uma ação antioxidante muito forte.

Qual a quantidade ideal por dia para evitar a dependência, o alcoolismo?

No máximo duas taças por dia, mais ou menos 250 ml.

No Brasil, o consumo de vinho está muito associado ao acompanhamento de queijos. Essa é uma boa combinação?

O vinho tinto não tem muito lugar com o queijo, principalmente por causa dos seus taninos. Tanino é a substância que dá a sensação de adstringência na boca e ela entra em choque com o queijo gordo, com a crosta, com os fermentos lácteos. O vinho fica com o tanino seco, uma persistência com gosto de ferro na boca, de mau gosto.

Por isso, pela minha experiência fica difícil combinar muitos tipos de queijo com vinho tinto. Minha dica para queijos e vinhos no Brasil é: para os queijos brancos moles, como o brie ou camenbert, os vinhos brancos ácidos Sauvignon Blanc, por exemplo, e espumantes. Já os queijos semi-moles, como gouda, masdam, gruyère, os vinhos brancos menos ácidos e menos secos, como o Alasce, das uvas  Riesling e Gewurztraminer. Os brancos duros, como pecorino e grana padano, um tinto sem muito tanino como o Chianti, um Cotes Du Rhone e uvas como a Shiraz e Grenache. Para os queijos azuis gorgonzola, roquefort, vinhos fortificados, como os vinhos do porto tawny e os de apodrecimento nobre, como Sauternes e Tokaj.

Quais dicas você pode dar ao leitor que é leigo no assunto na hora de escolher um bom vinho levando em conta o custo-benefício?

Sugiro experimentar, dentro da sua possibilidade, e ler sobre o assunto, ver os vídeos na internet sobre degustação e descobrir qual você gosta. Eu vejo que no Brasil os de melhor custo benefício são os portugueses. Eu acho que o vinho português tem qualidade, tem um bom preço e uma variedade enorme. Tem do Alentejo, Douro, o vinho verde, … Além disso, para mim, a técnica de degustação para a pessoa que não trabalha com o vinho, tem que ser um momento de prazer. Você ter prazer em estar vendo aquela cor, aquela nuance do vinho, os aromas, o prazer com aquele vinho no paladar. É um momento de prazer como ouvir música e como apreciar uma obra de arte.

Há algo mais que gostaria de dizer?

Eu gosto muito dos produtores que produzem hoje vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais. Os vinhos orgânicos são aqueles onde a plantação das videiras não recebe agrotóxico no manejo. Os biodinâmicos além de não usarem agrotóxico, baseados na ideia do Rudolf Steiner (1861-1925), eles têm todo o manejo controlado usando elementos naturais para conter algumas pragas. E o vinho natural é caracterizado por ser produzido a partir de uma agricultura orgânica ou biodinâmica e com a ausência de leveduras, aromatizantes artificiais ou materiais sintéticos. Eu não acredito que o sulfito (tipo de conservante, desinfetante que inibe a oxidação) seja o vilão da história. Eu acredito que os agrotóxicos e as proteínas que se usa hoje, os aromatizantes, esses sim são bem prejudiciais ao vinho e para a saúde do ser humano.

Duarsen de Campos, especialista em vinhos pela Ecole Du vin de France, em Paris, e pela escola inglesa Wine and Spirits Education Trust, também em Paris, é consultor de exportação para vinícolas brasileiras para a Ásia e para alguns países da Europa. É também palestrante de temas variados, como harmonização, ou seja, comida e vinho, sobre os vinhos biodinâmico, naturais e orgânicos.

Contato de Divulgação
Instagram: @duarsendecampos

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